
Como o blog tem o objetivo de aprofundar um pouco as ideias, pretendo nesse texto falar sobre os problemas do nosso sistema político. Para que o texto não fique demasiadamente longo e cansativo, vou abordar somente o problema do financiamento de campanhas políticas por empresas (veja bem, é só um aspecto de um sistema cheio de problemas).

Recentemente, houve uma tentativa por parte do Congresso Nacional de regularizar essa prática. O projeto foi vetado pela presidente Dilma Rousseff, que aderiu à sugestão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou a prática inconstitucional. A tendência é que aumentem os financiamentos das campanhas por empresários (pessoas físicas), além dos montantes movimentados em caixa dois.
Vamos analisar por que essa prática prejudica a democracia. Observe os dados referentes às eleições para deputado federal em 2014:
50% dos candidatos receberam 99,25% das doações
20% dos candidatos receberam 93,19% das doações (esse grupo representa 96% dos eleitos)
10% dos candidatos receberam 77,89% das doações
É evidente que o grupo dos candidatos que recebem doações de empresas é muito seleto. Enquanto metade dos candidatos recebe 0,75% das doações, 10% dos candidatos recebem 78%.
Busquei nos sites donos do congresso (que traz informações sobre qual candidato recebeu quanto e de quem) e eleições 2014 (votação obtida por cada candidato) dados relativos aos candidatos a deputados federais no Rio Grande do Sul. A ideia foi fazer um gráfico que relacionasse a quantia recebida em doações e o número de votos obtidos por cada candidato. Fazer ainda uma interpolação linear, ou seja, uma reta que mostre o comportamento geral dos dados (na verdade é a reta que melhor mostra o comportamento dos dados). Não se mostrou possível colocar todos os candidatos, que eram 262. Então eu peguei um candidato por página no site donos do congresso e procurei a votação respectiva no site eleições 2014. O gráfico resultante está abaixo.

Notamos que o gráfico possui regiões muito diferentes. Temos uma concentração grande de candidatos com poucas doações e poucos votos (canto inferior esquerdo), e poucos candidatos que receberam um grande volume de dinheiro. Devido ao pequeno número de candidatos nesse segundo grupo, busquei mais candidatos com doações acima de R$ 500.000,00, e o resultado é o gráfico abaixo.

Nos dois casos, o interpolador linear é crescente, ou seja, a tendência geral é que quanto mais dinheiro o candidato consegue, mais votos recebe. Existem candidatos fora da curva, ou seja, que não se encaixam nesse padrão, mas são exceções. E não podemos basear uma argumentação em exceções.
Por que razão, motivo ou circunstância uma empresa doaria dinheiro para uma campanha política? Isso é ilógico, porque o objetivo de uma empresa é o lucro (pelo menos de maneira geral). A resposta não é difícil: uma empresa não doa, ela investe. Então é claro que uma empresa não doaria dinheiro para a campanha de um candidato incorruptível, que governe somente para a nação. Quanto mais maleável é a índole do candidato, maior o interesse das empresas nele.
Em outras palavras, a política eleitoral é um camelô. Para se eleger, o candidato precisa de dinheiro para a campanha. E só recebe dinheiro o candidato que se submeter aos interesses de empresas privadas. Nas palavras de Dão Real Pereira dos Santos "o processo político nacional está destruindo a política pura".
Além disso, o candidato eleito com financiamento privado não pode simplesmente ignorar as demandas dos seus financiadores. Pelo menos não se tiver intenção de ser eleito novamente. Se ele deixar de atender às solicitações das empresas que doaram dinheiro a sua campanha política, na eleição seguinte ele não terá doações. Diz o ditado: "quem paga a banda escolhe a música".
O problema do acesso à informação relativa ao processo eleitoral reduz a liberdade de voto do cidadão - e por consequência restringe a participação democrática. Enquanto o eleitor tem somente o poder do voto (único), os detentores de grandes fortunas têm controle direto sobre os governantes.
A pior parte é que vende-se a ideia de que o voto faz diferença para mudar o Brasil. Cara, teu candidato nem sabe que tu existe. E a maioria dos candidatos que aparecem na grande mídia são pilantras de marca maior. E quando surgem movimentos populares de participação política, eles tendem a ser criminalizados. Vide movimentos sindicais e protestos políticos com relevância, como o dos estudantes secundaristas em SP e GO.
Não entendam mal, a mensagem que eu quero transmitir não é "vote em qualquer um, que dá tudo no mesmo". Não é isso. Hoje temos acesso às informações sobre a vida e a carreira dos candidatos pela internet, e podemos sim encontrar bons candidatos para eleger. Devemos valorizar o voto, e confiá-lo a políticos que nos representem.
Grande parte do texto foi baseado nas anotações de uma palestra realizada pelo pesquisador Dão Real Pereira dos Santos, promovida pelo NEMIS (Núcleo de Estudos sobre Movimentos e Identidades Sociais. Curtam a página deles, sempre rola umas palestras muito bacanas, com uma galera que realmente sabe do que fala).
Pra finalizar, deixo a sugestão de música Geração de Pensadores, do Fábio Brazza e Mc Garden. São dois caras com produção musical MUITO IRADA, vale muito a a pena conferir o trabalho deles pelas redes sociais.
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