domingo, 28 de fevereiro de 2016

Ideologia - eu quero uma pra viver


Qual sua orientação ideológica política? Mesmo que você não se declare adepto a algum partido, qual seu posicionamento frente à política?

Se você respondeu "sou neutro, não gosto nem da direita nem da esquerda", você precisa entender o problema da falta de ideologia.






Primeiro, vamos observar que a neutralidade total não é uma coisa real. Nós podemos tentar ser neutros na maior medida possível, mas é impossível ser totalmente imparcial. As experiências pessoais do indivíduo, as pessoas com as quais convive e os ambientes que ele frequenta impedem que ele seja totalmente neutro.

Posso usar como exemplo o Cálculo Diferencial e Integral, que é uma parte da matemática aplicada. Para os íntimos, só Cálculo. Mesmo que você não conheça o cálculo, só de ouvir o nome já tem uma impressão sobre ele, que pode ser algo como "eita, não quero nem ver" ou "deve ser outra coisa difícil que não serve pra nada" ou "pelo que eu ouço falar por aí, é coisa pra louco" ou ainda "deve ser muito louco, imagina que legal". Se você já conhece o cálculo, tente lembrar como era antes de conhecer.

Perceba que a história que você tem com a matemática, seja pela forma que você se relaciona com ela no colégio, ou por ter um amigo ou parente que estude cálculo, já te dá uma impressão sobre o cálculo antes mesmo que você o conheça de verdade. Se você for começar a estudar cálculo, já vai começar com alguma impressão pré concebida.

Outro exemplo que podemos observar sobre a (im) parcialidade é: imagine que você está caminhando pela rua e vê uma pessoa batendo num cachorro. Você pode pensar "se eu ajudar a bater no cachorro serei uma má pessoa, se eu salvar o cachorro eu serei uma boa pessoa, então se eu não fizer nada eu serei imparcial". Será correto isso? Se você não fizer nada, o cachorro vai continuar apanhando. Se você não fizer nada, estará sendo aliado do cara que está batendo. Se você perguntar "então, o que eu devo fazer para ser imparcial?" a resposta é "não há o que possa ser feito".

Retomando a ideia da pretensa imparcialidade política: se você tem uma identificação ideológica, você pode ver a política com olhar mais crítico. Você percebe problemas em algumas posturas políticas, não somente na corrupção. A corrupção é um grande problema, não quero neglicenciar isso, mas não é o único problema.

Não quero dizer que você precisa "escolher um time", seguindo a lógica dicotômica sou de direita/sou de esquerda, e aceitar o pacote de opiniões que vem junto. Acho que o que você pode ter uma ideologia própria, singular como você mesmo. As pessoas não são iguais, então não precisam pensar todas do mesmo jeito. Na mesma ideologia, você pode concordar com alguns aspectos e discordar de outros, e aí você tem uma visão própria sobre o assunto.

Até mesmo se alienar em relação ao processo político é uma escolha que você pode fazer. Afinal, você não é obrigado a conhecer tudo e ter opinião sobre tudo. Isso inclusive é comum, porque não temos uma educação política. Em geral, as pessoas não conhecem as ideologias e isso conduz a visões distorcidas sobre elas.

E é esse o problema. Como eu disse, não existe imparcialidade total. Quando você não controla sua mente, alguém controla por você. Quando você não se posiciona ideologicamente, adere a qualquer ideologia sem perceber.


Uma metáfora pra isso é descrita no livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell (o livro é muito bom, recomendo veementemente). Após a tomada da fazenda, os bichos fazem as decisões em assembleias. Os dois porcos com maior poder, Napoleão e Bola de Neve, sempre discordam em seus posicionamentos. Sobre o moinho de vento, por exemplo, Bola de Neve defendia que fosse construído, pois depois de pronto ele reduziria a carga de trabalho dos animais, além de poder instalar um dínamo, que geraria energia elétrica e traria uma série de confortos. Napoleão afirmava que a construção do moinho de vento seria desnecessária, pois os animais já tinham bastante trabalho e a construção do moinho seria demasiadamente cansativa, e que sem o moinho animais já viviam satisfatoriamente bem. Os bichos concordavam com os dois. Ao ouvir o discurso de Bola de Neve, achavam que o esforço para construir o moinho valeria a pena. Ao ouvir o discurso de Napoleão, achavam que realmente não precisavam daquilo.

Um problema da falta de uma educação política é que os discursos pré-fabricados são muito facilmente aceitos. Então ninguém pensa muito, só repete. E quando a pessoa se depara com uma ideia diferente, não a analisa, somente a refuta e segue repetindo seu discurso de sempre. Entender uma outra lógica é desconfortável, principalmente quando ela é contrária à nossa visão de mundo. Abandonar uma opinião é como abandonar uma parte de si.


O livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (outro livro muito bom e que eu recomendo) fala sobre isso em um trecho: "Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum."

Outro problema que acompanha a falta de ideologia é o surgimento dos "messias" políticos. Personagens que ganham popularidade por possuir um discurso político pautado pelo senso comum. Não possuem uma visão política verdadeira, só repetem o que o povo gosta de ouvir. Eles ganham visibilidade, vão ganhando popularidade e podem acabar até eleitos. Chegam nas posições de poder, e, pela falta de uma visão política, só fazem bobagem.

Um bom exemplo disso foi a eleição do Sartori para governador do RS. Ele não tinha um discurso político, não tinha propostas, não estava a par da real situação do estado. Mesmo assim foi eleito, simplesmente porque as pessoas não queriam votar num determinado partido.






Uma vez eleito, a sua primeira medida foi aumentar o próprio salário. Encomendou para o Palácio das Hortênsias (residência oficial do governador em Canela) lençóis de cetim, toalhas de algodão egípcio, travesseiros de pluma e colchões de microfibra. Suspendeu o serviço de atendimento médico por helicóptero nas estradas gaúchas e poucos dias depois utilizou um helicóptero do governo para ir a um churrasco de um correligionário. Além, é claro, de aumentar a alíquota do ICMS, mesmo tendo prometido durante a campanha que não aumentaria. E vai aumentar de novo na próxima terça-feira.Vetou a emenda que destinava parte do dinheiro da venda do Banrisul para a educação. Fechou postos da Brigada Militar, cancelou nomeações de policiais aprovados em concurso, parcelou salários do funcionalismo.

Apesar desse cenário, ainda é defendido por muitas pessoas. Há quem diga que vai ser o melhor governador que o estado teve. O problema está aí: as pessoas não têm ideologia política clara, então têm dificuldade de ter uma visão crítica sobre as medidas do governo.


Outro messias político, um vampiro que se alimenta da ignorância de parte da população, é o deputado Jair Bolsonaro. Ele não é conhecido por ter propostas concretas sobre educação, saúde, segurança ou economia, mas por berrar opiniões banais como "bandido bom é bandido morto".

Sobre a imagem ao lado, já ouvimos um discurso assim, e podemos ver no que resultou.

Isso sem falar na eleição do ex-jogador de futebol Jardel. Eu realmente não entendo porque 41 227 pessoas votaram nesse cara. Não entendo mesmo.





Para concluir, quero repetir essa frase que conheci na internet e achei genial: se você não controlar sua mente, alguém vai controlar por você. Se você não tiver um posicionamento político claro e coerente, você acaba elegendo esses messias de discurso agradável, mas vazio.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Se votar mudasse algo, seria proibido

Política é hoje um assunto popular. A parte boa é que as pessoas se preocupam com esse tema, esse assunto chama a atenção hoje. A parte ruim é que as discussões sobre política são como as discussões sobre futebol. É só trocar os times pelos partidos, os jogadores pelos políticos e pronto. Não temos uma educação voltada para a política, então vale falar qualquer coisa. Aí vem o senso comum, com as frases prontas do tipo "todo político é corrupto" e as brigas do tipo "teu partido é mais corrupto que o meu".



Como o blog tem o objetivo de aprofundar um pouco as ideias, pretendo nesse texto falar sobre os problemas do nosso sistema político. Para que o texto não fique demasiadamente longo e cansativo, vou abordar somente o problema do financiamento de campanhas políticas por empresas (veja bem, é só um aspecto de um sistema cheio de problemas).



Recentemente, houve uma tentativa por parte do Congresso Nacional de regularizar essa prática. O projeto foi vetado pela presidente Dilma Rousseff, que aderiu à sugestão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou a prática inconstitucional. A tendência é que aumentem os financiamentos das campanhas por empresários (pessoas físicas), além dos montantes movimentados em caixa dois.

Vamos analisar por que essa prática prejudica a democracia. Observe os dados referentes às eleições para deputado federal em 2014:
50% dos candidatos receberam 99,25% das doações
20% dos candidatos receberam 93,19% das doações (esse grupo representa 96% dos eleitos)
10% dos candidatos receberam 77,89% das doações

É evidente que o grupo dos candidatos que recebem doações de empresas é muito seleto. Enquanto metade dos candidatos recebe 0,75% das doações, 10% dos candidatos recebem 78%.

Busquei nos sites donos do congresso (que traz informações sobre qual candidato recebeu quanto e de quem) e eleições 2014 (votação obtida por cada candidato) dados relativos aos candidatos a deputados federais no Rio Grande do Sul. A ideia foi fazer um gráfico que relacionasse a quantia recebida em doações e o número de votos obtidos por cada candidato. Fazer ainda uma interpolação linear, ou seja, uma reta que mostre o comportamento geral dos dados (na verdade é a reta que melhor mostra o comportamento dos dados). Não se mostrou possível colocar todos os candidatos, que eram 262. Então eu peguei um candidato por página no site donos do congresso e procurei a votação respectiva no site eleições 2014. O gráfico resultante está abaixo.



Notamos que o gráfico possui regiões muito diferentes. Temos uma concentração grande de candidatos com poucas doações e poucos votos (canto inferior esquerdo), e poucos candidatos que receberam um grande volume de dinheiro. Devido ao pequeno número de candidatos nesse segundo grupo, busquei mais candidatos com doações acima de R$ 500.000,00, e o resultado é o gráfico abaixo.



Nos dois casos, o interpolador linear é crescente, ou seja, a tendência geral é que quanto mais dinheiro o candidato consegue, mais votos recebe. Existem candidatos fora da curva, ou seja, que não se encaixam nesse padrão, mas são exceções. E não podemos basear uma argumentação em exceções.

Por que razão, motivo ou circunstância uma empresa doaria dinheiro para uma campanha política? Isso é ilógico, porque o objetivo de uma empresa é o lucro (pelo menos de maneira geral). A resposta não é difícil: uma empresa não doa, ela investe. Então é claro que uma empresa não doaria dinheiro para a campanha de um candidato incorruptível, que governe somente para a nação. Quanto mais maleável é a índole do candidato, maior o interesse das empresas nele.

Em outras palavras, a política eleitoral é um camelô. Para se eleger, o candidato precisa de dinheiro para a campanha. E só recebe dinheiro o candidato que se submeter aos interesses de empresas privadas. Nas palavras de Dão Real Pereira dos Santos "o processo político nacional está destruindo a política pura".

Além disso, o candidato eleito com financiamento privado não pode simplesmente ignorar as demandas dos seus financiadores. Pelo menos não se tiver intenção de ser eleito novamente. Se ele deixar de atender às solicitações das empresas que doaram dinheiro a sua campanha política, na eleição seguinte ele não terá doações. Diz o ditado: "quem paga a banda escolhe a música".

O problema do acesso à informação relativa ao processo eleitoral reduz a liberdade de voto do cidadão - e por consequência restringe a participação democrática. Enquanto o eleitor tem somente o poder do voto (único), os detentores de grandes fortunas têm controle direto sobre os governantes.

A pior parte é que vende-se a ideia de que o voto faz diferença para mudar o Brasil. Cara, teu candidato nem sabe que tu existe. E a maioria dos candidatos que aparecem na grande mídia são pilantras de marca maior. E quando surgem movimentos populares de participação política, eles tendem a ser criminalizados. Vide movimentos sindicais e protestos políticos com relevância, como o dos estudantes secundaristas em SP e GO.

Não entendam mal, a mensagem que eu quero transmitir não é "vote em qualquer um, que dá tudo no mesmo". Não é isso. Hoje temos acesso às informações sobre a vida e a carreira dos candidatos pela internet, e podemos sim encontrar bons candidatos para eleger. Devemos valorizar o voto, e confiá-lo a políticos que nos representem.

Grande parte do texto foi baseado nas anotações de uma palestra realizada pelo pesquisador Dão Real Pereira dos Santos, promovida pelo NEMIS (Núcleo de Estudos sobre Movimentos e Identidades Sociais. Curtam a página deles, sempre rola umas palestras muito bacanas, com uma galera que realmente sabe do que fala).

Pra finalizar, deixo a sugestão de música Geração de Pensadores, do Fábio Brazza e Mc Garden. São dois caras com produção musical MUITO IRADA, vale muito a a pena conferir o trabalho deles pelas redes sociais.