quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O Método Tretológico

          O texto de inauguração deste blog não poderia ser outro. Muita gente costuma tretar na internet, mas às vezes não percebem que sua argumentação não é sólida o suficiente para debater um tema complexo. Bom, o objetivo desse texto é mostrar como deve ser uma argumentação consistente.
Observe que eu não pretendo dizer qual deve ser a sua opinião mas sim como deve ser a sua argumentação. Não me importa se você é de direita ou de esquerda, libertário ou comunista. Importa como você defende seu ponto de vista.
Por exemplo, digamos uma pessoa X esteja discutindo sobre ventiladores. A pessoa X prefere ventiladores com as pás triangulares. Se ela disser “eu gosto mais dos ventiladores com pás triangulares” ou “os ventiladores com pás triangulares são mais bonitos” sua fala não tem relevância. Isso funciona para a pessoa X, mas não é uma verdade inegável. Contudo, se a pessoa X disser “os ventiladores com pás triangulares movimentam uma massa de ar maior” ou “consomem, em média, menos energia” ou “acumulam menos sujeira”, assim ela poderá mostrar que esse tipo de ventilador realmente seria melhor. Observe que o que faz a diferença não é a opinião individual da pessoa X, mas a argumentação que ela usa.

Mas se a opinião não é suficiente para debater um problema social, em que devemos nos embasar?

Galileu é conhecido como o pai da Ciência Moderna por ter sido o cara que introduziu a ideia de que o conhecimento científico deveria ter a experimentação como suporte. Antes dele, seguia-se a tradição da Grécia Clássica, na qual se acreditava que o conhecimento poderia ser conquistado pelo pensamento puro.


Um bom exemplo pra falar sobre isso é sobre a queda dos corpos. Antes de Galileu, se acreditava que um corpo mais pesado cairia mais rápido que um corpo mais leve (Aristóteles afirmou que uma pedra de 2 kg cairia duas vezes mais rápido que uma pedra de 1 kg). Galileu provou que isso estava errado. Em uma experiência que ficou famosa, jogou dois objetos de tamanhos e massas diferentes da torre de Pisa, e ambos os corpos chegaram ao solo ao mesmo tempo.
Aí você poderia me dizer: “Opa! Peraí! Outro dia eu soltei uma bola de boliche e uma pena ao mesmo tempo e da mesma altura, e a pena chegou no chão bem depois que a bola”. Certo. A questão é a seguinte: Essa tua experiência pessoal não é suficiente para explicar a queda dos corpos. Você não pode usar uma coisa que você vivenciou para debater um assunto amplo.
*Um exemplo clássico desse comportamento é quando falamos com pessoas com mais de 40 ou 50 anos sobre a ditadura militar. Muitos costumam dizer “mas eu vivi nessa época, não era tão ruim” sem perceber que sua experiência pessoal não é o suficiente para entender a ditadura no Brasil (realidade maior que a experiência de uma pessoa).
*Outro exemplo são as pessoas que dizem “minha vó fuma desde a adolescência, tem 80 anos e não tem câncer, logo cigarro não tem nada a ver com câncer de pulmão”. Isso não é argumento contra pesquisas sobre os efeitos do cigarro que envolvem centenas de fumantes.
Certo, na ciência temos o método científico, que se baseia na experimentação. E nas tretas? No que podemos nos embasar para defender um ponto de vista, já que não é uma coisa simples fazer experiências sociais relevantes? EM PESQUISAS. Pesquisas abrangem uma grande distribuição amostral, e seguem certos critérios quanto a isso. E não adianta tentar defender um ponto de vista individual usando o argumento “mas todo mundo que eu conheço diz isso”, porque, além de ser um argumento duvidoso (você realmente sabe que todo mundo que tu conhece diz isso?), é limitado. A menos que você conheça todas as pessoas do Brasil.

Conceitos

Aqui nós estamos chegando em um terreno um pouco mais complexo, porém muito mais produtivo. Continuando a alegoria com método científico, vou seguir com o exemplo da queda dos corpos. Chega um momento que você está estudando a respeito e quer saber por que os corpos com massas diferentes caem na mesma velocidade, e por que isso falha pro caso da pena. Como você pode fazer isso?
Através de conceitos. É o seguinte: autores que estudam de maneira criteriosa, sistemática e profunda um certo tema, desenvolvem o que se chamam de conceitos. Na ciência, os conceitos são explicações, geralmente acompanhados por enunciados matemáticos, que nos permitem entender um fenômeno.
Sobre a queda dos corpos, um bom autor é Isaac Newton. Seus conceitos acerca da gravitação são excelentes. Ele explica, até certo ponto, como funciona a gravidade. Outro autor que ajuda nesse sentido é Albert Einstein. Sua teoria da relatividade geral também versa sobre a gravidade, de maneira um pouco diferente da teoria newtoniana.
Na ciência podemos usar conceitos para compreender a realidade, nas tretas podemos usar... conceitos! Mas é claro que aí mudam os autores. Nesse caso, segundo a metáfora do meu professor e amigo Ivan Dourado, os conceitos são como lentes que nos permitem enxergar a realidade de uma outra maneira, mais complexa.
Se você quiser aprofundar as discussões, pode buscar autores na filosofia, na sociologia, até na psicanálise. Isso demanda tempo, e existem conceitos que exigem muito estudo, mas vale muito a pena para a formação intelectual da pessoa.
*Aprenda os conceitos, mas não como mapas, que mostram como o mundo é. Use-os como lentes (reforço a metáfora do Ivan), que te fazem ver o mundo de outra maneira. Há pessoas que decoram os conceitos e acham que todo o mundo se encaixa neles, e deixam de ver o mundo, passam a ver apenas os conceitos. Exemplo: alguns liberais (à lá Constantino) acreditam que a interação oferta-demanda é perfeita na regulação do mercado, sendo que quando houvesse uma grande produção de determinado produto, haveria uma redução no preço (devido à grande oferta) e isso beneficiaria o consumidor. Parece fazer sentido, certo? Mas como se explica a notícia nesse link?

Pense Fora da Caverna

O Mito da Caverna é uma alegoria famosa criada pelo filósofo grego Platão. Nessa história, ele conta que em uma caverna vivia um grupo de pessoas, que ficavam olhando para a parede no fundo. Atrás deles ficava a entrada da caverna, que projetava sombras à sua frente. Ao olhar as sombras, essas pessoas pensavam que estavam olhando para o mundo real. Até que uma pessoa resolveu se virar e olhar para trás. Viu a entrada da caverna, se aproximou e olhou para fora. Como dentro da caverna é muito escuro, a claridade do dia fez seus olhos doerem. Contudo, essa pessoa esperou um pouco, até seus olhos se acostumarem, e então saiu para explorar o mundo. Depois, voltou para convidar as outras pessoas na caverna para conhecerem o mundo real. Levou essas pessoas até a entrada da caverna. No entanto, o sol feriu seus olhos e as pessoas saíram da entrada da caverna, voltando para a escuridão no fundo, que era confortável.
Pois bem, o que eu quero dizer por pense fora da caverna é: pare por um momento de pensar do jeito que você sempre pensou. Analise os fatos com pontos de vista diferentes. Pense se os argumentos da pessoa que discorda de você fazem sentido. “Seus olhos vão doer no começo” (sua mente vai bugar) mas no final isso vai te fazer crescer. Lembre que o velho pensamento simplista não engrandece um debate. Além disso, uma análise simplista de um problema complexo pode te levar a conclusões erradas.

Exemplo comum: Pena de morte vai reduzir a criminalidade. Será mesmo? Qual é a lógica? “Vamos matar todos os bandidos, daí acabam os bandidos e a sociedade está segura”? Ah, fala sério. “Os criminosos vão ter medo da pena, então vão parar”? Pense o seguinte: estupradores costumam ser estuprados na cadeia, e isso não impede que surjam outros estupradores.
*Além disso, a pena de morte é proibida por lei, e é cláusula pétrea, ou seja, não pode ser mudada. Se seu candidato diz que luta pela pena de morte, então ou ele não conhece a legislação brasileira (apesar de legislar há 25 anos) ou ele quer te enganar com um discurso populista, que não tem fundamento mas ganha votos.

Comparações

Dependendo do assunto, é conveniente fazer comparações. Quem é professor sabe bem como uma comparação bem colocada facilita a compreensão das ideias. Mas temos que ter um pouco de cuidado ao fazer comparações, porque corremos o risco de comparar coisas que na verdade não têm nada a ver.
As comparações mais comuns são comparações entre países. Nesse sentido, você precisa entender que países diferentes têm distribuições étnicas diferentes, histórias diferentes, valores sociais diferentes, economias diferentes. Já ouvi “a Inglaterra tem um modelo econômico essencialmente liberal, e lá as pessoas comuns andam de Mercedes e BMW”. Legal. O problema é: você realmente acha que você pode comparar a Inglaterra e o Brasil levando em consideração só o sistema econômico? Lembre que a Inglaterra foi o primeiro país a passar por uma Revolução Industrial, e o Brasil teve uma industrialização tardia.


Uma maneira segura de fazer esse tipo de comparação é analisar no mesmo país o que aconteceu antes e depois de um certo fenômeno. Por exemplo, se falamos sobre a legalização das drogas, podemos analisar como era a Holanda antes da legalização e o que mudou depois da legalização, ou podemos analisar como era o Uruguai antes da legalização e como ficou depois da legalização.

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